Luiza Maria Pontual. Foto: Divulgação

Votante ou Eleitor?

Estamos em mais um período eleitoral, em que a população é conclamada a votar para Presidente da República, Deputados, Senadores e Governadores.

Momento oportuno para pensar a nossa trajetória como sociedade. Uma sociedade cuja sociabilidade está enraizada nas práticas escravagistas, o que contribui para a construção de uma singularidade excludente e perversa, como afirma Marilena Chauí. Uma sociedade extremamente hierarquizada, em que predomina um enorme fascínio pelo prestígio e poder, haja visto o título de Doutor, conferido a todo aquele que, na relação social, é visto como superior. Segundo Chauí, Doutor seria o substituto, imaginário, dos antigos títulos de nobreza.

A sociedade brasileira é, estruturalmente, autoritária e violenta. Se examinamos a nossa história, nos damos conta da violência praticada contra os indígenas, escravos, presos políticos; enfim, contra todos os que ousaram ser e pensar de forma diferente. Uma sociedade estruturada a partir das relações de mando e obediência.

Mais uma vez, recorrendo a Marilena Chauí, não é possível deixar de reconhecer que as leis representam privilégios para as camadas mais altas da sociedade; enquanto que, para os populares, a lei é opressão. Os conflitos e as contradições políticas, econômicas e sociais, são ignorados e substituídos pela imagem idealizada de uma sociedade não violenta, ordeira e generosa. Como afirma Chauí: Pátria amada Brasil, mãe gentil.

O conflito, elemento constituinte, mesmo da sociedade democrática, é visto como perigoso sinal de crise e desordem; e a repressão, policial e militar, entra em cena para reprimir os opositores. O consenso é confundido com unanimidade. A luta de classe, por privilégios e distinções, leva à concretização de alianças e preconceitos, que desvelam o padrão histórico, que se repete nas lutas políticas do Brasil moderno. O conflito de classes é substituído por um falso conflito entre Estado corrupto e mercado virtuoso, como afirma Jessé Souza. A Democracia, como diz Marilena Chauí, é caracterizada pela criação de novos direitos, garantia dos antigos direitos, e o banimento dos privilégios.

É urgente que os brasileiros percebam que o poder é deles; tanto é assim que, através do seu voto, esse poder é dado para alguém que o exercerá, temporariamente. Daí, Chauí afirmar que eleger significa não só exercer o poder de escolha, mas, sobretudo, manifestar a origem mesma do próprio poder.

Como já dizia Rousseau, célebre filósofo da democracia do século XVIII, o governante é um funcionário do povo, que deverá estar tão subordinado às leis quanto qualquer outro cidadão. Numa Democracia, ninguém está acima da lei; e a lei deveria significar a vontade do povo. Nessa perspectiva, aqueles que vão elaborar as leis, ou seja, falar em nome do povo, deveriam merecer uma atenção muito especial, na hora de votarmos. Isso, porque a eles delegaremos o poder de falar no nosso nome. Serão os nossos delegados; a nossa boca. Em muitas situações, selarão os nossos destinos. 

Os defensores do modelo Neoliberal costumam propalar que o Neoliberalismo permite um enxugamento racional do Estado; mas, de fato, o que acontece é o desvio dos recursos públicos para beneficiar o capital; recursos que, como o nome expressa, são de todos, são públicos. A política é demonizada; e, apenas ao Estado, é atribuída toda a corrupção, que atrasa o nosso avanço.

Jessé Souza, baseado em pesquisa de campo, mostra, claramente, que o verdadeiro foco da corrupção está no mercado; e, não, no Estado. Daí a nossa responsabilidade de eleger, com muita seriedade, pessoas que não sejam facilmente corrompidas; pessoas cuja trajetória tenha sido marcada pelo compromisso com o público e não, apenas, com interesses pessoais. Se não tivermos Política, teremos Ditadura; daí a importância de cuidar da nossa vida política com muita atenção e responsabilidade.

O desemprego, extremamente funcional para o modelo, é disfarçado pela uberização, em que o empregado tem a falsa ideia de que goza de mais liberdade; quando, na verdade, fica, do ponto de vista social, totalmente desamparado. Se, por algum motivo, precisar ficar sem trabalhar, por motivo de saúde, por exemplo, mesmo tendo feito isso por anos a fio, ficará no total desamparo.

O Neoliberalismo rompe com qualquer ideia de solidariedade social. O que prevalece é um acentuadíssimo individualismo. O indivíduo é treinado para ser um investimento bem-sucedido; e para assumir a culpa, quando não obtiver êxito na competição; isso, naturalmente, contribui para desencadear uma revolta muito grande, uma autoestima baixa, ressentimento e violência de todo tipo, desencadeando uma prática de ódio e extermínio. Daí que assistimos, estarrecidos, ao aumento de doenças mentais, como ansiedade, depressão, e, mesmo, suicídio de pessoas, cada vez mais jovens.

Luiza Maria Pontual C. e Silva. Socióloga e Doutora em Ciências Políticas pela Universidade Autônoma de Madri e professora da Faculdade Nova Roma.


02/08/2022 às 12:17

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