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Angústia social: Salários não acompanham custo de vida. Combustíveis, energia, alimentos, campeões de carestia

Aprendemos a conviver dolorosamente com o custo de vida nas alturas. Os preços subiram todos, devorando gulosamente o poder de compra dos salários. Os derivados do petróleo, força motriz dos transportes de carga no país, transformaram-se nos vilões da economia inflacionando tudo. Subiram tanto este ano que tem gente enchendo o tanque de gasolina do carro e deixando-o parado a título de investimento. Lucro maior do que aplicação em ouro.
Um amigo comentou com outro esse procedimento empreendedor:

“Veja como é fácil enriquecer neste país. Em um ano, com tanta gasolina, estarei rico. E ainda virei atleta porque meus deslocamentos são de bike.” E o outro completou: “Governo arretado. Aqui só é pobre quem é burro ou preguiçoso.”

Chega-se a impressão de que nossos esquerdistas de antigamente ao defenderem o monopólio estatal do petróleo equivocaram-se, gritavam a plenos pulmões com patriotismo: “O PETRÓLEO É NOSSO”. Se o petróleo fosse nosso, controlaríamos os preços, reduziríamos os custos de produção, evitaríamos as negociatas, os cabides de empregos milionários, as gestões fraudulentas da Petrobrás.

O petróleo não é nosso, é dos ladrões, dos corruptos, que se revezam no poder mudando de cara sem mudar de intenções. O gás de cozinha, tão essencial à economia doméstica, detonou o orçamento das famílias mais humildes, passando dos R$ 100,00 (cem reais), ressuscitando, nesse dia de juízo fora do contexto bíblico, esqueletos de um passado sepultado há tempo, como o fogão a carvão, o fogão à álcool, o fogão à lenha.

“Os preços subiram tanto este ano que tem gente enchendo o tanque de gasolina do carro e deixando-o parado a título de investimento”

Na Amazônia, os grileiros de terras dão pulinhos de alegria. Planejam bonificar as donas de casa por cada árvore derrubada para cozinhar. Devastação disfarçada da floresta, a conta-gotas, sem alarde das queimadas nem fumaça que dá na vista. A fauna que não for morta para matar a fome, será preservada das chamas, evitando protestos ambientalistas. Depois é só plantar capim e colocar o gado. Estará pronta a fazenda particular em terras públicas, de preferência em reserva indígena. Abre-se a temporada de caça ao índio, animal inteligente, mais emocionante do que caçar onça.

Apesar de muitos bois nos pastos da pátria, carne bovina virou artigo de luxo à mesa dos brasileiros e uma ausência sem fim nas casas dos pobres. A energia limpa, gerada com a força das águas, as emanações de calor do sol, a velocidade dos ventos, as duas últimas negligenciadas pelo poder público, incluídas todas no pacote emergencial da falta de chuvas, prejudicam a produção industrial, o progresso econômico e o conforto doméstico das pessoas. Suas tarifas altíssimas obrigam o racionamento e ameaçam de apagão.

Os pobres defendem-se das aperturas como podem. Apagam as lâmpadas, desligam os eletrodomésticos e, em situação estrema, apelam para os trambiques de eletricistas que criam e instalam “macacos”. Estes não comem banana nem precisam de veterinário. A classe média, amedrontada com o empobrecimento, cancela banho quente, desliga gelágua, troca os condicionadores de ar por ventiladores, reduz a utilização de computador e televisão. Lança moda de roupas e lençóis de cama amassados, aposentando o ferro de passar.

Lembro a todos que o furto de energia é crime. Mas se alguém for flagrado na prática desse delito, seu advogado alegará, marotamente, estado de necessidade. Dizem que desgraça pouca é meio de vida. O salário dos trabalhadores não acompanha o crescimento dos preços. Seu poder de compra diminuído reduz à metade os gêneros alimentícios da feira. A solução é comer menos, perder peso, emagrecer. Os famintos não ficam obesos.

Salário curto traz suas compensações. Enseja, por exemplo, conhecimentos científicos sobre economia, nutrição, gastronomia: compra-se mais barato pechinchando, ovo tem proteína, substitui a carne, ovo é tudo, ovo é agro, ovo é tech, ovo é pop, tá na Globo; é possível fazer delícias com arroz e feijão, ensinam os programas de televisão. Graças aos reduzidos ganhos dos trabalhadores o Brasil tem hoje muitos chefs.

José de Siqueira Silva é Coronel da reserva da PMPE
Mestre em Direito pela UFPE e Professor de Direito Penal
da FOCCA

Contato: jsiqueirajr@yahoo.com.br
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02/10/2021 às 23:06

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