Caramelo, o cavalo que quase ficou amarelo de tanta fome, frio e sofrimento, fustigado pela chuva e pelo vento, manteve-se quieto, quase imóvel, silencioso e meditativo, confiante na mudança do tempo. Estava em desconformidade com o que deveria estar. Um cavalo em cima de uma casa era cena incomum, ainda mais rodeado por água por todos os lados, tão corriqueiro quanto ver-mos um urso polar dirigindo um fusca, ou uma vaca leiteira empanturrando-se de uísque em uma cervejaria.
Cavalo era para ocupar os pastos e alimentar-se deles, sobretudo no Rio Grande do Sul, onde o capim verde, viçoso, suculento, costumava ser abundante, uma gostosura para deleite do paladar e da alma equina. A situação vivenciada por Caramelo, contudo, era de tempestade, água despejada pelas nuvens como se a barragem lá de cima se houvera rompido, raios e trovões em profusão clareando e sonorizando as noites.
O sol, dorminhoco, havia dias sem ser visto, indiferente a se matava o povo de frio ou de saudade. A correnteza dos rios era forte, Caramelo viu-se levado nela, e nadou o quanto podia, como um guerreiro batendo-se na tormenta da guerra, mas ele não era só força para nadar, era também a cabeça que sabia usar para vencer obstáculos. Usando-a, comunicava-se com o agora e com o além.
Sentiu-se protegido pelos Anjos em sua pureza e ausência de maldade, foi quando uma ilha de madeira surgiu-lhe à frente, fixa, forte, disponível. Acessou-a e foi para a cumieira, onde ficou inerte. Vira os Anjos do céu havia pouco e esperaria, paciente, que os da terra, gaúchos natos ou solidários de outros lugares, chegassem a tempo com seu amor para salvá-lo. E chegaram.
José de Siqueira Silva é Coronel da reserva da PMPE
Mestre em Direito pela UFPE e Professor de Direito Penal
Contato: jsiqueirajr@yahoo.com.br
Instagram: @j_siqueiras
Facebook: www.facebook.com
14/05/2024 às 14:27